13/02/2012

MATADORES DE GALINHAS

Por Jairo Gonzo 
Estou sentado numa cadeira de macarrão, no quintal. Estou olhando pro brilho meio fosco da penugem de um enorme galo preto. Olho pra suas canelas ressequidas e acinzentadas que estão atadas por um barbante. Ele tá de pé, me olhando nos olhos e com o bico fechado. Ele vai morrer amanhã à tarde. Uma faca bem amolada será passada em sua garganta e eu vou tá sentado nessa mesma cadeira de macarrão olhando ele sangrar até ficar paradinho da silva.
Certa vez, fiquei puto por minha mãe passar a faca de mau jeito na garganta de uma galinha caipira. Ela ficou se esperneando por um bom tempo enquanto a mãe foi fazer não sei o quê. Mas, tá beleza. Eu, também, fiz uma merda pior quando era mais mocinho. Pedi pra mãe deixar eu matar uma. Ela não deixou, alegando que eu o faria por pura crueldade. Eu fiz que deixei quieto e quando ele virou as costas eu peguei a primeira faca que estava em minha frente. A porra da faca era cega. Eu não passei a faca na garganta da galinha, eu grosei até rasgar em uma fenda vermelha. A mãe ficou me olhando sem dizer nada. Depois eu fiquei ruim pelo jeito que a mãe me olhou.

Quando eu era moleque, meu pai resolveu se mudar para o Estreito. Moramos oito meses por lá. Acho que os piores da minha vida. Morávamos numa casa muito massa. O quintal era enorme e bem arborizado. Meu pai tinha uma criação de galinhas caipiras e porcos, lá. Meu irmão do meio e eu costumávamos fazer armadilhas pras galinhas. Matei algumas com espetos afiados num buraco. Meu despertador das cinco da matina era o estarrecedor berro dos porcos ao receberem os golpes de machado na cabeça. Eu me levantava e ia até o quintal, ainda sonolento, assistir eles serem sangrados na jugular. Posso sentir, nesse exato momento, o frio da neblina que pairava no quintal. Gosto de lembrar daquilo tudo. Acho que eu tinha uns sete ou oito anos. Naquela época, o Estreito era mais mato que outra coisa. Eu odiava tudo por lá, menos a garota que trabalhava lá em casa. Foi minha primeira paixonite. Era bem mais velha, claro. Muito mais. Morava ao lado de nossa casa. Eu sentia aquela coisa de menino perdido de amor e tal. Ela não tava nem aí, claro. Nem sabia. Lembro que uma vez, ela estava segurando uma caneta Bic enquanto brincava com meu irmão menor. Ela fez algo que me chamou a atenção. Pôs o lado do bocal da caneta na boca e ficou meio que chupando, talvez por hábito, depois soltou a caneta e levantou-se para olhar o arroz no fogo. Eu peguei a caneta como quem não quer nada e pus em minha boca a extremidade que ela havia chupado. Ainda estava umedecida com sua saliva. Lembro que achei o gosto estranho e que depois meu encanto por ela dissipou-se. Nem lembro qual o seu nome, muito menos o seu rosto.

Há duas coisas que me fizeram odiar o Estreito de coração. Uma delas foi uma surra que levei na escola. A professora havia passado um trabalho de artes com giz de cera. Todos tinham seus gizes de cera, menos um. O meu verdugo! Ele pediu minha caixa de giz. Não dei. Tu vai vê, disse ele. E eu não só vi como senti. A aula acabou e todos foram embora, menos ele que pôs uma cadeira para emperrar a porta e me deu um soco no estômago. Caí sentado na cadeira quando, logo em seguida, senti uns quatro ou cinco murros na fuça. Ele era forte e bem maior do que eu. Ele saiu me ameaçando de morte se eu contasse pra alguém. Eu não contei, claro. 
Eu não era doido como sou hoje. A outra coisa foi a quebra de meu braço jogando travinha na rua. Estava eu estudando na rede quando alguns moleques apareceram pra me chamar. A mãe não deixou até que todos eles imploraram com êxito. Quinze minutos depois eu apareço na cozinha berrando de dor com o braço esquerdo em forma de S. Pra quem não sabe, sou canhoto. Fui submetido a uma prova oral de matemática. Algarismos romanos e o caralho. Tirei dez. Foi aí que percebi que você se dá bem nos estudos quando não tem nada de importante pra fazer. Mas, que se dane tudo isso. Eu gostava de ver as galinhas mortas em minhas armadilhas.
 O autor é estudante de jornalismo da UFMA, um facebookeiro doente e dono de um talento raro para as letras.
 

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