02/01/2010
CARTA A CRIMINOSOS
Maria das Graças C de Souza
Juíza aposentada
Dirijo-me, primeiramente, aos habitantes de Imperatriz, especialmente aos que me conhecem e sabem da minha conduta ética, da minha luta por uma cidade pacífica, com qualidade de vida, com espaço para todos, com um ambiente sonoro saudável e propaganda comercial respeitosa, coisas que só se têm através de políticas públicas - que os nossos governantes nunca se propuseram fazer - e da boa vontade dos particulares.
Imperatriz, cidade onde liderei movimentos e campanhas pela paz, por um trânsito seguro, por saúde, educação e segurança pública. Na penúltima, fomos dezoito mil pessoas, em passeata, da Praça de Fátima à Avenida Beira-Rio, pedindo às autoridades que olhassem pela cidade, que trabalhassem por ela. Lutei para que Imperatriz tivesse um aspecto urbanístico agradável, sem invasões individuais nem coletivas de espaços públicos.
Fiz discursos em enterros de vítimas de crimes comuns e da criminalidade organizada. Chorei nos velórios de Ezir Júnior, de Camila e Luan, jovens, cheios de vida, não mereciam aquilo. Ninguém merece. Chorei também no velório de Frei Tadeu, Valdeci Rocha e tantos outros cujos nomes não recordo agora. Sofri com seus familiares, sofri em ver a cidade manchada, sua fama correr mundo como a cidade da pistolagem.
Aqui vivi e estudei, fui da primeira turma do curso de Direito da UFMA – Universidade Federal do Maranhão, trabalhei em instituições privadas e públicas. Por fim, exerci a magistratura por nove dos quinze anos em que pertenci ao quadro ativo do Poder Judiciário do meu Estado. Sempre busquei servir, especialmente aos pobres, por entender suas dificuldades, as barreiras que encontram devido ao seu aspecto físico, sua condição de analfabetos, sua falta de recursos financeiros.
Hoje, sou vítima da violência que sempre combati. Encontro-me na mira de criminosos, meu portão e meu carro crivados de balas, armas de grosso calibre. Tudo por achar que podia exercer os direitos de petição aos poderes públicos e de associação para fins pacíficos, previstos na Constituição Federal. Agora vejo que não posso, aliás, não devo, notadamente quando esses direitos contrariam interesses econômicos de pessoas poderosas.
É a história da violência se repetindo, o filme rodando. A sociedade cada vez mais amedrontada, cabeça baixa, bico calado. Reclamar para que, se nem a juíza de direito eles respeitam. Têm dinheiro, são amigos de outros poderosos, contam com a impunidade. É a vida.
Amigos me pedem para ficar calada, mas, reconheço, “não é fácil acocorar-se em terra de sapo”; como “não é fácil para um lutador jogar a toalha”.
Estou sufocada - não por medo que não o tenho - mas preciso falar, dizer aos criminosos que querem matar-me - executor e mandantes - que fizeram a escolha errada, que é melhor a opção pela ética do que trilhar as veredas do crime. A consciência tranqüila vale mais que a riqueza sem o sono, sem poder olhar na cara dos filhos, dos irmãos da igreja onde rezam ou oram, se dizendo cristãos.
Aos mandantes digo: reflitam antes de mandarem me matar, porque o sonho de pessoas como eu não morre, sempre renascerá em outras cabeças, sempre será lembrado “com lágrima não com cuspe”, sempre será admirado, ainda que em silêncio.
Quero falar agora diretamente ao pistoleiro, homem alto, pilotando uma moto Honda Bross preta, sem placa, na calada da noite, pelas sombras da madrugada, trajando camisa de mangas compridas e usando capacete, para dizer-lhe: quando o mandante o contratou para matar-me, contratou também outro para matá-lo depois da minha morte. O senhor sabe disso, conhece bem o que a imprensa chama de “queima de arquivo”. Portanto, não caia nessa!
Maria das Graças Carvalho de Souza
é juíza de direito aposentada e
militante social e política
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