23/12/2009

O Natal e os vendilhões de Noel

Faço questão de publicar essa nota de meu amigo ADALBERTO FRANKLIN, por representar o que penso sobre a deturpação causada pelo liberalismo econômico à essência do Natal.

Natal!

As ruas fervilham de veículos com pessoas apressadas, inquietas, dividindo espaço com pedestres que se atropelam nas calçadas desalinhadas, altas e baixas, ou mesmo nas pistas, fora das faixas, numa agitação alucinada e incomum fora dessa época. Automóveis, motocicletas, carroças, bicicletas e pedestres imitam uma incessante correição de formigas nesse inconsciente festejo de gastanças patroneado por um sorridente velhinho chamado Papai Noel.

Nesse período, contemplo-me com um invariável recesso de trabalho por, pelo menos, 15 dias, a começar das proximidades do dia de Natal, e isolo-me para apenas ler e escrever.

Há tempos fiz-me avesso a essas festas e promoções que visam apenas promover o consumo de bens supérfluos que, no restante do ano, as pessoas geralmente não sentem falta. Já nem sei quantos anos há que não atravesso o centro comercial nesse tempo de ofertas baratas e facilitadas de felicidade consumista com intenção de comprar algo.

Atravessei nesta semana o que restou do largo da praça de Fátima, frente à Catedral, e imediatamente me veio à mente a inevitável comparação com o cenário bíblico dos vendilhões do templo, uma algazarra típica de mercado público que costumeiramente ocorria frente ao Templo de Jerusalém no período da Páscoa judaica, uma vez desmantelada a pontapés por Jesus, indignado diante do desrespeito religioso e do oportunismo dos comerciantes. Não consegui evitar esse paralelismo. Talvez o fato de manter-me distante desses festejos comerciais tenha favorecido essa visão crítica.

Aprendi, na primeira infância, a olhar o Natal e outras datas religiosas com reverência. Mesmo na minha adolescência e juventude, quando não me aproximava muito de qualquer igreja, mantive um comportamento respeitoso diante dos valores e dos símbolos sagrados. Ainda na juventude, movido por valores/sentimentos de com/paixão humana, que se apossaram de mim a partir de então — creio que influenciado pelos livros e pelo cinema —, formou-se em mim uma personalidade desejosa de igualdade social, justiça e solidariedade, que mais tarde vim encontrar correspondência na Igreja profética da Teologia da Libertação. Passei a ter como ideal utópico (também acredito que não se vive sem sonhos, sem esperança, sem utopia!) o comunismo; não esse comunismo político, reducionista, emparedado por teorias estreitas e práticas ditatoriais, mas por comunismo sociológico, liberto; uma sociedade fraterna, sem riquezas extremas nem pobrezas excludentes, uma sociedade de direitos e oportunidades iguais, talvez a terra sem males.

Creio que minhas convicções me levaram à contraposição com a “normalidade” social, levando-me cada vez mais à oposição das alegrias e festividades momentâneas que atualmente se celebram.

Sob o prisma religioso do Natal, por exemplo, não consigo deixar de perceber que o pobre menino Jesus do presépio perdeu seu lugar para um velhinho gordo e bem nutrido chamado Papai Noel, para quem se arma tendas frente à Igreja e nas casas comerciais com a finalidade de promover as vendas e o consumismo.

O menino de Belém, que se tornou depois o homem de Nazaré, um galileu desprendido da riqueza, contrário à posse dos bens supérfluos e em excesso, não representa uma boa figura para o Natal dos tempos atuais. Por isso não tem mais espaço nem convite nessa festa. Esse menino sem realeza não é digno de um presépio diante da principal praça principal da cidade; aí, se instala a “casa” do novo rei dos festejos, o sorridente velhinho Noel, vestido em roupas brilhantes e cercado de luzes tremeluzentes, num ambiente mágico e ilusório que obscurece a mente das crianças e motiva a disposição de gastança dos pais.

Esse é o reflexo de uma sociedade que cultiva valores fugazes, que busca felicidade momentânea e tropeça em seus próprios valores, que conduzem ao egocentrismo, ao individualismo, à solidão e à frustração, males que devem marcam fortemente o século XXI, destruindo as pessoas e as sociedades.

Não é de se estranhar que na cúpula de Copenhague, nestes dias, Estados Unidos e China, as grandes potências de agora, mesmo sob a ameaça se ver comprometida a vida na terra, se mantenham indiferentes aos apelos do resto do mundo. Esse comportamento é fruto dessa cultura individualista e insensível ao outro, que coloca o dinheiro e o poder acima de tudo e de todos. É essa cultura que derruba Jesus de sua manjedoura de natal para em seu lugar construir a “casa” de Papai Noel.

Dói muito em mim essa percepção/concepção, mas nem minha mente nem minha consciência me permitem ficar calado nem retornar à inconsciência, à ingenuidade. Os ingênuos são mais felizes. Bem-aventurados os cegos…

E eu, sou obrigado a torturar-me com minhas convicções, das quais não consigo me arredar. E como o poeta nicaraguense Juan Gonzalo Rose, pergunto-me:

[...]

Por que não amei somente /as rosas repentinas, / as marcas de junho, /as luas sobre o mar?

Por que tive de amar /a rosa e a justiça, /o mar e a justiça, /a justiça e a luz?

Imperatriz, MA, 20 de dezembro de 2009

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Fique à vontade e seja bem vindo ao debate!