O MPF-SP
(Ministério Público Federal em São Paulo) denunciou o delegado aposentado da
Polícia Civil Alcides Singillo, 83, à Justiça pelo crime de sequestro que teria
sido praticado em 1975, durante a ditadura militar. A vítima foi o líder
camponês maranhense Manoel Conceição Santos, 81, que ajudou a fundar o PT em
1980. No caso em questão, ficou preso "ilegalmente" entre os dias 28
de outubro e 11 de dezembro de 1975. Ele foi solto na época graças a um pedido
do papa Paulo 6º.
A denúncia foi
protocolada no dia 4 de fevereiro e distribuída para a 1ª Vara Criminal Federal
da capital paulista.
Singillo
integra a lista de 377 pessoas apontadas pela Comissão Nacional da Verdade como
responsáveis diretas ou indiretas pela prática de tortura e assassinatos
durante o regime militar (1964-1985). A defesa do delegado aposentado afirma
esperar que a Justiça Federal rejeite a denúncia, com base na validade da Lei
da Anistia, de 1979.
O delegado
atuava no Dops-SP (Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo), órgão
de repressão a opositores do regime ditatorial. Na denúncia, os procuradores da
República Ana Leticia Absy e Anderson Vagner Góis dos Santos pedem que a
Justiça reconheça três agravantes na suposta ação do delegado: emprego de
tortura, abuso de autoridade e abuso de poder. Também solicitam o cancelamento
da aposentadoria de Singillo.
De acordo com
a denúncia, a prisão do camponês foi registrada oficialmente apenas em 18 de
novembro, e somente em 5 de dezembro um advogado pôde visitá-lo. Os
procuradores também citam a participação dos então delegados Romeu Tuma e
Sérgio Paranhos Fleury no caso, mas ambos já morreram.
Manoel
Conceição foi levado da casa do padre Domingos Barbé, em Osasco, na Grande São
Paulo, onde vivia na época. "Assim que chegou ao Dops-SP, Manoel foi encaminhado
à 'cela geladeira', totalmente nu, e sofreu torturas no decorrer dos 48 dias em
que ficou preso", afirmam os procuradores na denúncia.
Perna amputada, prego no pênis e intervenção do papa
Conceição
presidiu o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Pindaré-Mirim, município
situado 177 km ao sul de São Luís (MA), e foi preso e torturado diversas vezes
durante a ditadura. Em 1968, teve a perna direita amputada depois de ser
baleado pela polícia. Com o apoio da Ação Popular, organização de esquerda,
conseguiu uma perna mecânica.
Em 1972, no
Rio de Janeiro, os torturadores pregaram o pênis e os testículos de Conceição a
uma mesa. Ele ficou impotente e passou a urinar por sonda. Estava em São Paulo
em 1975 exatamente para ser submetido a tratamento médico. Meses antes, fora
condenado a três anos de prisão pela Justiça Militar, mas ganhara a liberdade
porque já passara tempo maior em reclusão. Anos depois, após recursos, a
Justiça decidiu absolvê-lo.
No Dops,
situado no centro de São Paulo, teria ouvido a seguinte ameaça dos
torturadores: "Sua prisão não tem nada a ver com a Justiça, que foi
incapaz de julgá-lo. O problema é nosso". O martírio de Conceição no Dops
só teve fim quando o papa Paulo 6º, alertado por religiosos brasileiros,
escreveu ao governo brasileiro pedindo a libertação do camponês.
Conceição vive
em Imperatriz (MA). Em dezembro de 2014, sua esposa, Maria Denise Barbosa Leal
afirmou ao UOL que ele estava bem fisicamente, mas com problemas de memória, o
que prejudicava sua comunicação. A reportagem tentou fazer contato com a
família novamente, mas não conseguiu.
Outro Lado
Defensor de
Alcides Singillo, o advogado Paulo Alves Esteves afirmou que juízes federais
rejeitaram denúncias do MPF em casos semelhantes ao de seu cliente, com base na
validade da Lei da Anistia. "Esperamos que neste caso específico a decisão
seja de igual teor".
O STF (Supremo
Tribunal Federal) definiu em abril de 2010 que a Lei da Anistia de 1979
continua aplicável aos casos de crimes políticos ocorridos no regime militar,
mesmo depois da promulgação da Constituição Federal de 1988. A lei de 1979
anistiou os envolvidos em delitos de natureza política cometidos entre setembro
de 1961 e agosto de 1979.
Outras denúncias
Esta é a
terceira denúncia de procuradores da República de São Paulo contra Alcides
Singillo. Em outubro de 2012, ele foi denunciado pelo crime de sequestro
qualificado do corretor de valores e ex-fuzileiro naval Edgar de Aquino Duarte.
O crime teria acontecido em junho de 1971.
Nesse caso,
também foram denunciados o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, comandante
do DOI-CODI-SP (Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações
de Defesa Interna em São Paulo) no período de 1970 a 1974, e o delegado Carlos
Alberto Augusto, conhecido como "Carlos Metralha".
Em abril de
2015, a ministra do STF (Supremo Tribunal Federal) Rosa Weber suspendeu o
processo, usando como justificativa a vigência da Lei da Anistia. O processo na
9ª Vara Criminal Federal de São Paulo já estava em fase final de instrução.
Seis meses depois, Brilhante Ustra morreu de câncer.
A segunda
denúncia contra Singillo também incluía Ustra. Em abril de 2013, o MPF
denunciou a ambos pelo crime por ocultação de cadáver do estudante de medicina
Hirohaki Torigoe, cujos restos mortais estão desaparecidos desde o dia 5
janeiro de 1972.
A denúncia
chegou a ser acolhida em primeira instância pela Justiça Federal, porém, em
fevereiro de 2014, a ação foi extinta, pois o juiz responsável pelo caso
considerou que o crime estava prescrito.
Fonte: UOL - São Paulo
Por Flávio Costa e Wellington Ramalhoso
Uma correção ao texto: No final de 1975, Manoel Conceição foi preso ilegalmente depois de ter sido julgado pela Justiça Militar, em Fortaleza. quando foi solto depois de ter ficado preso por quase quatro anos, desde o início de 1972. Os militares não conseguiram provar nenhuma acusação feita contra ele, mesmo assim, o condenaram a três anos e meio. Como ele já tinha cumprido mais tempo que essa pena, tiveram que libertá-lo. O pessoal da linha dura (DOI-CODI, DOPs etc.) não aceitou a soltura de Manoel e este passou novamente a ser perseguido pelos órgãos e agentes da repressão. Escondido e sob proteção da CNBB -- primeiro pelo arcebispo Aloísio Lorsheider, de Fortaleza; depois, por dom Paulo Evaristo Arns, de São Paulo, para onde fora mandado às escondidas para se tratar das sequelas da tortura. Asilado na residência do padre Balbé, ele foi daí sequestrado por agentes do DOPS-SP e levado novamente aos porões da tortura. Ninguém sabia do seu paradeiro, pois sua prisão era secreta e ilegal, sem registro. Foi localizado por acaso por um advogado trabalhista, por isso foi libertado. Quanto à intervenção do papa, não se deu nesse caso. Paulo VI enviou um telegrama ao presidente-general Ernesto Geisel, sim, mas isso em 1972, primeiro ano de prisão do líder camponês, quando a Anistia Inernacional fazia intensa campanha na Europa e nos EUA cobrando informações e a soltura de Manoel ao governo brasileiro. Durante essa prisão no DOPS-SP, Tuma e Fleury disseram a Manoel que no Brasil não havia lugar para ele, a não ser debaixo do chão. Isso precipitou o exílio de Manoel, que foi levado pela Anistia Internacional para a Suíça. (Informações constantes no meu livro "Manoel Conceição, sobrevivente do Btasil, a ser lançado neste semestre).
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