Com a cabeça cheia de íons complexos e quelatos,desembarco do ônibus USP-Praça da República na Av.Ipiranga.Noite fria.Caminho meus passos-pesamentos.Um morador de rua estende a mão.Moço me dá um reaus?Ele tem os pés no chão,a calça amarrada com uma corda e um roto cobertor sobre os ombros.Vem-me à cabeça um dos pares da França da corte de Luis XV. Inicio um diálogo.Como tu tá? Como tá a barra,mermão?Ele diz,dotor não tá facil.Quando acomodo meu barraco com as taubas de papelão vem os homi com o caminhão pipa jogando água.E os albergues mermão?Lá não pode ficar por muito tempo,você vai de um prá outro até que não te recebem mais.Além disso os outro morador te rouba lá dentro quando tu dorme.É fria dotor...
Carros, ônibus passam.De um lado a praça da República cheia de árvores.Do outro lado calçadas velhas,esburacadas,sujas.Tênue iluminação alaranjada pelas lâmpadas de sódio.Uma atmosfera insólita.Um travesti passa.Uma prostituta oferece.Um homem vem caminhando a passos rápidos.Gesticula.Tem os olhos esbugalhados.Um discurso desconexo.É mais um dos habituês da Cracolândia dando sua ronda noturna.Sacolas coloridas.Casais de namorados.Paletós e gravatas.Pernas.Bundas.Balconistas.Trabalhadores.
Lá vou eu no formigueiro de gente que vem e que vai.Reduzo a marcha.Paro.Encosto na parede e espio.Dois PMs observam um pequeno embrulho envolto em panos quase à porta de uma churrascaria.Um deles chuta o pé do embrulho.O embrulho criança acorda num misto de espanto e raiva.Levanta.Um dos coturnos faz uma ironia.O outro coturno diz:fora.O embrulho criança caminha rápido.Diz filhodaputaaaaa.
Olho para a cara de asno das pessoas.É mais um fato sumário e normalissimo.Penso no meu filho e no filho dos outros.O peito doe.Uma revolta contida migra dos neurônios para os punhos.Retorno do delírio.
Mais a frente encontro uma maranhense de Fortuna.Dvds apoiados numa caixa de papelão e o olhar atento para o rapa.Compro.Burlo o capetalismo (sim o capetalismo) da indústria cara do cinema.Conversamos ela diz:Vida dura.Jogo duro.Os homi em cima da gente tomando tudo.Humilhando.Batendo.Com Erundina não era assim.Fé em Deus que Dilma ganhe...
Concordo digo a ela.Dilma tem que ganhar.Serra é uma farsa.Uma farsa da cidade mais rica do país.Uma farsa que não resolveu a vida dos moradores de rua com um teto,reeducação,escola,apoio e trabalho.Serra é uma farsa que não resolveu o quarteirão da cracolândia e se arvora em resolver o narcotráfico.Serra está mais para Caramuru do que para chefe de nação.
Magno Urbano é professor da Universidade Estadual do Maranhão.
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